quarta-feira, 25 de novembro de 2009




Desejo - (Gangaji)


Encontro Público em Marin County, Califórnia - 2 de março de 2003

"Uma das áreas mais delicadas da compreensão espiritual, e talvez a que tenha sido mais mal-entendida, tem a ver com a questão do desejo. Não me lembro do que as religiões ocidentais dizem sobre ele, mas lembro que o Budismo basicamente afirma que o desejo é a causa do sofrimento. No passado, eu entendia que isso significava que desejo era ruim. Portanto, eu tinha que começar desejando me livrar do desejo; este era meu desejo total. E toda vez que eu sofria, isso era prova de que eu desejava alguma coisa e, assim, meu desejo de me livrar do desejo aumentava. E que peso eu estava carregando! Até que cheguei a um ponto em que fui dominada pelo sentimento da futilidade de tentar cortar o desejo pela raiz, seja através da prática da meditação, de retiros ou da prática da atenção passiva. Fui dominada pela sensação de fracasso. Tudo que eu desejava àquelas alturas era um mestre; isso era tudo que eu sabia. E o meu mestre apareceu: Papaji. E me disse: "Se você deseja a liberdade acima de tudo mais, isso vai satisfazer todos os outros desejos. Este desejo satisfaz todos os desejos". Como o reconheci como meu mestre, escutei muito atentamente e me rendi ao simples, vasto e antigo desejo de liberdade. E este desejo satisfez todos os outros desejos, mas não de uma maneira que possa ser entendida mentalmente.

Por isso, hoje quero falar brevemente sobre o desejo. Podemos falar sobre o desejo egóico e o desejo verdadeiro. Ou podemos falar sobre o desejo em fixação e o desejo natural: o desejo celular de viver, de se alimentar.

Mas, para falarmos muito simplesmente, podemos discutir o desejo que não causa problemas e o desejo que causa problemas. Se não transformarmos o desejo em algo que causa problemas, algo errado, poderemos simplesmente observá-lo, para que possamos dizer a verdade com habilidade. Há uma espécie de maturidade que pode surgir quando simplesmente se diz a verdade.

Se há um desejo de amor, não há problema. Mas, se há um desejo de que o amor se manifeste de uma determinada maneira, numa determinada hora, isto é um problema. Se ele não se manifestar desta maneira determinada, há sofrimento; e se o amor se manifestar da maneira desejada, acredita-se que se manifestou assim por causa do desejo. Então, há um desejo adicional de mantê-lo, de se apegar a ele, de protegê-lo; e isso alimenta mais desejo. O desejo de amor, desprovido de qualquer forma, é na verdade o desejo de si mesmo. Não há problema então, porque o amor está aqui, mesmo que não seja da forma que você acha que deveria estar, que você aprendeu, ou que lhe ensinaram que estaria aqui.

Se há um desejo de paz, isto é bonito e verdadeiro. Mas, se é um desejo de paz nos seus próprios termos, da maneira e quando você a imagina, este é um desejo problemático. Se há um desejo de justiça, este é um desejo natural. Mas, se há vestígios de vingança, ódio ou medo neste desejo de justiça, ele é problemático. Pode haver um desejo de liberdade, mas se há uma idéia de como a liberdade deve se manifestar, de que ela pode ser limitada, este é um desejo que causa problemas. Será que esqueci algum desejo? O desejo da verdade é um belo desejo. Quando surge na consciência, o desejo da verdade é um acontecimento importante e evolutivo. Mas, se for simplesmente atirado no velho caldeirão de sempre, ele vira "eu e minha verdade, da maneira como eu a vejo"; ou "a verdade da maneira que acho que deveria ser". Isto causa muitos problemas para todo mundo. Quanto mais profundo o desejo, maior o potencial para causar problemas.

A verdade é que esses desejos realmente surgem e eles não são um problema. O problema é o que a mente, o entendimento ou o condicionamento fazem com o desejo, na esperança de escapar ao seu poder. O desejo de amor é poderoso. O desejo de liberdade, de verdade, de paz, é enorme. Este poder é uma espécie de tortura. E, com o desejo de fugir a esse desconforto, há uma tendência a criar receitas de como satisfazê-lo, como conservar esta satisfação ou que aparência ela deve ter. Não sou contra visualizações, formulações ou o estabelecimento de objetivos. Tudo isto tem seu lugar. De verdade, tudo tem seu lugar. Mas, para o nosso propósito, a visualização neste contexto é inútil; ela é um obstáculo e uma distração. A paz verdadeira, o amor verdadeiro, a verdade verdadeira, a verdadeira justiça, a verdadeira liberdade, o verdadeiro você, não podem ser visualizados. Paz mundial? Sim, visualize-a. Isto é útil. Isto mantém a mente ocupada. Justiça mundial? Visualize-a. Mas justiça, verdade, amor, a paz que é eterna, tudo isto está aqui agora: presente em plena experiência de ausência de amor, a experiência de guerra, de injustiça, ou na experiência de ego. Isto precisa ser comunicado. Esta é a tarefa que me foi dada e é dada a você, ou não estaríamos tendo esta conversa."

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